segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

O Fome Zero custou até agora R$ 62 Bi.O programa foi engolido pelo Bolsa-Família (dá mais voto).


Poucos brasileiros sabem que o programa Fome Zero é formado por um conjunto de ações que, entre outras, inclui a aquisição de alimentos provenientes da agricultura familiar, a implementação de restaurantes populares e o combate à seca por meio da construção de cisternas. O Fome Zero nasceu como bandeira de campanha eleitoral, cresceu como símbolo do atual governo e ganhou projeção internacional. Mas, hoje, acabou por ser engolido pelo Bolsa Família, programa que, apesar de integrar esse conjunto de ações, toma 90% dos recursos destinados à estratégia de mobilização para zerar a fome no País. Dos R$ 11,7 bilhões gastos no ano passado com o Fome Zero, R$ 10,5 bilhões dizem respeito à principal ação de transferência direta de renda às famílias em condição de extrema pobreza. Desde 2003, R$ 62,4 bilhões foram gastos com o Fome Zero.
O programa Bolsa Família não só é a principal ação do Fome Zero, como praticamente o substituiu, apesar das negativas do ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), Patrus Ananias. Questionado sobre quais fatores foram considerados para a transição da proposta inicial do Fome Zero para o Bolsa Família, em entrevista recentemente cedida ao jornal Diário do Nordeste, o ministro afirmou que o Bolsa Família não substituiu o Fome Zero. “O Bolsa Família é uma das 52 ações que compõem o Fome Zero, que é uma estratégia do governo de promover o acesso à alimentação, sobretudo à população mais pobre, articulando ações e programas em 11 ministérios e contando com a parceria com estados e municípios e a participação da sociedade civil”, disse Ananias.

Segundo o ministro, o Bolsa Família é o articulador do Fome Zero em função de sua dimensão e seu papel de garantir renda mínima para compra de alimentos pelas famílias pobres. “Não há uma transição de uma proposta para outra. O que houve foi um processo de aperfeiçoamento da estratégia do governo, de reforçar as atividades transversais entre as várias áreas do governo e esse trabalho vem sendo desenvolvido por um grupo que é coordenado pelo MDS”, esclareceu o ministro.

Mas o “orçamento Fome Zero” mostra que, desde o início da política pública interministerial, em 2003, o programa de transferência direta de renda tomou cada vez mais espaço dentro da estratégia. Naquele ano, no orçamento que reúne as principais ações do Fome Zero, a transferência direta de renda representava 47% dos R$ 9,8 bilhões pagos, seguindo o mesmo percentual apresentado no ano anterior. No ano seguinte, já como Bolsa Família, o programa passou a representar 52% do total gasto e foi tomando volume maior a cada ano. Desde 2003, R$ 62,4 bilhões foram gastos no Fome Zero, tendo sido gasto pelo Bolsa Família 70% desse valor - R$ 43,5 bilhões.

Em 2008, dos R$ 11,7 bilhões referentes às despesas executadas pelas 20 ações diretas do governo federal no Fome Zero, R$ 10,5 bilhões (90%) dizem respeito à “Transferência de Renda Diretamente às Famílias em Condição de Pobreza e Extrema Pobreza”, o Bolsa Família. “A criatura (Bolsa Família) engoliu o criador (Fome Zero)”, afirma João Guerreiro, da ONG carioca de combate à fome e à pobreza, Ação da Cidadania. “Infelizmente o governo se comunica muito mal”, lamenta Guerreiro, ao lembrar que poucos brasileiros sabem, de fato, que o programa Fome Zero é formado por um conjunto de ações.

Em artigo publicado logo após o lançamento oficial do programa Bolsa Família, em 2004, a fundadora e coordenadora da Pastoral da Criança Internacional, Zilda Arns, também admitiu não entender bem as relações entre o programa e o Fome Zero e questionou: “Um substitui o outro? Um compete com o outro?”. Na época, Arns alertou para que o Fome Zero não se restringisse à transferência de renda, pois, segundo ela, “isso seria adotar políticas compensatórias que, a longo prazo, não promoveriam a inclusão social das famílias beneficiárias e, ao contrário, reforçaria a dependência delas em relação às políticas públicas”.

A conversão do marketing político

O crescimento no volume de recursos do Fome Zero, absorvidos quase que na totalidade pelo Bolsa Família, pode ter explicações mais profundas. Segundo Paulo Moura, cientista político da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) e autor do ensaio “Bolsa família: projeto social ou marketing político?”, a idéia do projeto Fome Zero surgiu mais como marca, como uma idéia de marketing, do que propriamente amparada numa concepção de políticas públicas consistentes. Para ele, o Bolsa Família adquiriu também uma dimensão simbólica, “imprescindível ao marketing reeleitoral do presidente Lula”.

“Inicialmente, o governo tomou a iniciativa de tentar reposicionar a marca Fome Zero, com o objetivo de conferir-lhe algum conteúdo”, diz Paulo Moura. “A partir daí, entra em campo o discreto ministro Patrus Ananias, que passa a coordenar, distante dos holofotes da mídia, a operação política e administrativa de substituição do Fome Zero pelo Programa Bolsa Família”, avalia o cientista.

Trabalhando em silêncio, segundo Moura, o atual ministro do MDS unificou os programas sociais do governo anterior, ampliou o número de famílias atendidas e atribuiu-lhes uma única marca (Bolsa Família) com ampla visibilidade nacional. “Mais importante do que isso, em dois anos de distribuição de renda à população pobre, o governo conseguiu melhorar as estatísticas sociais do país”, admite o cientista.

Tanto “Bolsa Família” como “Fome Zero” são marcas que representam conceitos, são nomes fantasia que englobam um complexo conjunto de políticas públicas. Estas marcas, segundo avaliação de Markus Brose, doutor em sociologia e diretor executivo da ONG CARE Brasil, foram adotadas tanto como forma didática para simplificar o entendimento da opinião pública, mas também, como estratégia de marketing para dar crédito ao governo que os lançou.

“Fora estas similaridades, ambos são conceitos muito distintos. O Bolsa Família, apesar de à primeira vista parecer muito inovador, na verdade constitui uma política pública padrão em todo Estado de bem-estar social e com o tempo vai se consolidar como rotina”, afirma. “O Fome Zero engloba tanto políticas transitórias como políticas permanentes, algumas de assistência social como outras de mudanças estruturais visando gerar trabalho e renda. A marca Fome Zero provavelmente é transitória, mas a maioria das políticas públicas será permanente”, explica.

Para Brose, a atual gestão federal deu grandes saltos e teve avanços significativos no combate à fome e à miséria no País. Mas ele acredita que erradicar a fome e a miséria é um projeto político que leva de uma a duas gerações. “Lamentavelmente o debate sobre este tema ainda é muito genérico e é difícil ao leigo se interessar - para além do ser contra ou ser a favor - pelas minúcias técnicas. Mas o quadro em geral é cada vez mais positivo, considerando de onde iniciamos a caminhada em 1985: o programa federal do vale-leite nas favelas”, destaca o diretor da CARE.

Markus Brose afirma ainda que o combate à fome é muito mais simples que a redução da pobreza. “A redução da pobreza depende em primeira linha da geração de trabalho e renda, da plena cidadania, do acesso a políticas públicas e aos operadores de justiça, algo muito mais complexo e caro que a distribuição de alimentos e o acompanhamento social regular”, conclui.

Avanços do Brasil no combate à fome e a pobreza

O número de pessoas que passam fome no mundo aumentou em 2008 para 963 milhões, contra 832 milhões registrados em 2007, segundo dados divulgados no fim de janeiro (26/01) pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Na contra-mão da média mundial, entre 1990 e 2008, o chamado Índice Global da Fome brasileiro se reduziu quase à metade, fazendo o País deixar o grupo de nações com problemas alimentares "graves" para figurar entre aquelas onde esse problema é considerado "baixo". No mundo, sem contar as imensas diferenças regionais, o índice da fome caiu a uma proporção de 20% entre 1998 e 2008.

Em relação à pobreza, os números também são favoráveis. Segundo Marcelo Neri, economista e chefe do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (CPS/FGV), no Brasil a fome já era, no começo desta década, um problema menor, mas a pobreza, como insuficiência de renda, tem caído de forma consistente desde 2004. “Conforme anunciamos no ano passado, o Brasil já havia cumprido a primeira, e talvez mais conhecida, das Oito Metas do Milênio da ONU, referente à redução da miséria extrema em 50% em 25 anos. Enquanto a queda acumulada entre 1992 e 2005 havia sido de 54,61%, ao acrescentarmos 2006 à serie, temos uma redução acumulada de 57,9%”, diz Neri.

“Não há na história brasileira, estatisticamente documentada (desde 1960), nada similar à redução da desigualdade observada desde 2001”, afirma Neri. De acordo com os estudos da FGV, no biênio 1993-1995, a proporção de pessoas abaixo da linha da miséria caiu 18,47% e, no período 2003-06, caiu 31,44%. “O ano de 2007 dá seqüência às conquistas observadas desde a recessão de 2003, mas, desde então, também constitui o ano isolado da série histórica, onde a miséria cai menos (5,59%)”, afirma o economista. Além disso, a proporção de miseráveis em 2007 atingia 18,11% da população - 33,6 milhões de pessoas com renda per capita inferior a R$ 135 mensais, enquanto essa relação era de 28,03% em 2003.

João Guerreiro, da ONG Ação da Cidadania, concorda com Neri e acredita que muito se avançou no combate à fome nos últimos anos. “A redução da desigualdade de renda é um dado inquestionável”, afirma. Mas ele defende que, para erradicar as causas estruturais da pobreza, outras ações, além das executadas pelo Fome Zero, são necessárias. “É fundamental levantar a bandeira de programas de elevação da qualidade do ensino público, sem o qual nenhuma ação de longo prazo reduzirá a pobreza no Brasil”, diz Guerreiro.

Doações e resultados

Em atendimento a chamada do Fome Zero, várias empresas do setor público e privado, entidades de classe e empresariais, personalidades e movimentos sociais se engajaram em campanhas de arrecadação e doação de alimentos. Além de alimentos, material escolar, utensílios domésticos, vestuário, medicamentos e bens em geral, o Fome Zero recebe ainda doações financeiras.

Em 2008, as doações somaram R$ 959 mil, uma queda de 90% em relação ao ano de 2003. Ao todo, as doações financeiras feitas ao Fome Zero somam R$ 19,6 milhões desde o primeiro ano da estratégia (veja tabela). Segundo o MDS, as doações em dinheiro ou em bens que possam ser leiloados são destinadas à construção de cisternas no semi-árido, isto é, de equipamentos que armazenam água da chuva para consumo humano durante o período de estiagem. Até agora, foi financiada a construção de 268 mil unidades, que atendem cerca de 1,1 milhão de pessoas, segundo informou o ministério.

Dentre os resultados do Fome Zero, desde 2003, está a construção de 3.700 mil unidades de Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), a construção de 372 cozinhas comunitárias, 65 restaurantes populares, 55 bancos de alimentos e a distribuição de 978 mil cestas de alimentos, em 2008, para atender às comunidades indígenas, quilombolas e acampados da reforma agrária.
fonte: Contas abertas

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